Certamente essa é uma das perguntas mais frequentes de quem está pensando em realizar uma cirurgia plástica - tão importante que algumas pessoas consideram esse fator ao planejar seu procedimento (já ouviu aquela história de que operar no inverno é melhor?❄️)
Mas, em primeiro lugar, você sabe por que indicamos malha compressiva para o pós-operatório em nossa especialidade? O principal motivo está relacionado ao famoso processo inflamatório. Toda cirurgia causa um certo grau de agressão ao nosso organismo (tecidos são cortados e descolados, e há ruptura da barreira que nos protege de micro-organismos), por isso uma das primeiras respostas de nosso corpo é desencadear uma inflamação estéril (isto é, uma inflamação sem infecção). Esse processo inflamatório resulta em inúmeros efeitos, mas chamo atenção aqui para os mais visíveis - dor e inchaço.
A dor habitualmente é controlada com analgésicos, mas todos conhecemos aquele instinto de pressionar levemente uma região dolorida, e a malha compressiva replica esse efeito. Além disso, ao diminuir a movimentação da região operada, também há redução do estímulo doloroso (muitas pacientes comentam como os buracos na rua são inesquecíveis ao retornar do hospital após uma cirurgia de mama 🛣️).
Com relação ao inchaço, as malhas compressivas também têm ação mecânica e exercem força de contenção, impedindo o acúmulo de líquido no espaço intercelular. Esse efeito é bem notado pelas pacientes, que relatam alívio da sensação de peso associada ao inchaço após o uso das cintas (apesar de alguns estudos científicos questionarem se há redução real do inchaço...)
Outros benefícios também podem ser conseguidos, como redução do sangramento, por comprimir os vasos sanguíneos menores enquanto não ocorre seu pleno fechamento; auxílio na cicatrização, pois a pressão ajuda a manter próximas as margens da incisão cirúrgica e fechados os espaços descolados (como túneis da lipoaspiração e o retalho da abdominoplastia); e, mais tardiamente, minimizar o risco de formação de cicatrizes hipertróficas.
Diante disso, muitas pessoas podem pensar: quanto mais apertada a malha, maiores os benefícios, correto? Infelizmente alguns médicos também pensam assim, mas na verdade precisamos usar a mesma antiga lógica dos medicamentos - o que faz o "veneno" (neste caso, o problema) é a dose. Malhas muito apertadas podem causar, além do óbvio desconforto, outras consequências sérias durante o pós-operatório:
Restrição respiratória: quando utilizadas no tronco (tórax e/ou abdome), malhas muito apertadas podem atrapalhar os movimentos respiratórios e limitar a ventilação pulmonar. Considerando que a maior parte das cirurgias do tronco requer anestesia geral ou sedação, que por si só já alteram a mecânica ventilatória (e causar o que chamamos de atelectasia), a combinação desses procedimentos com o uso de cintas apertadas aumenta o risco de complicações respiratórias.
Restrição circulatória: o efeito mecânico das malhas apertadas também afeta a circulação do sangue, pois a depender do local onde a compressão é exercida, o sangue pode ter dificuldade para retornar ao coração. Isso é particularmente importante em pacientes que fazem uma cirurgia de abdominoplastia, pois a plicatura muscular (realizada para ajustar a cintura) já pode resultar em aumento da pressão abdominal - ao somar esse efeito com o efeito compressor de uma cinta abdominal apertada, o retorno do sangue que circula pelas pernas pode ser prejudicado.
Lesão de pele: malhas muito apertadas também podem danificar diretamente os locais onde exercem pressão, geralmente pelo atrito com as bordas das malhas e que resulta em feridas superficiais na pele (abrasões que acompanham as margens da cinta compressiva). Entretanto, em situações especiais pode ocorrer o que chamamos de lesão por pressão - necrose da pele devido à compressão entre pontos rígidos. Por exemplo, no pós-operatório de otoplastia (correção de orelhas proeminentes), muitos cirurgiões recomendam o uso de faixa para cobrir as orelhas, mas se essa faixa estiver muito apertada, a pele da orelha pode ser comprimida entre a faixa e a cartilagem auricular. Considerando que nos primeiros dias após a cirurgia a sensibilidade da orelha pode estar reduzida, o paciente pode não perceber que uma ferida está se formando.
Compressão de nervos periféricos: os nervos mais superficiais podem sofrer com a compressão de malhas apertadas e terem seu funcionamento prejudicado. Isso pode ocorrer mais comumente no pós-operatório de lipoaspiração, quando as malhas que cobrem braços e pernas podem comprimir nervos superficiais - como o nervo ulnar, em sua passagem próxima ao cotovelo; nervo radial, ao passar pelo antebraço; e fibular, ao contornar o osso da fíbula próximo ao joelho.
E como saber a "dose" ideal de compressão? Não é nada prático ficar medindo o grau de compressão para saber se está perto dos 20 mmHg recomendados para o pós-operatório, por precisamos usar o conforto como parâmetro - a malha precisa estar firme o suficiente para reduzir a dor durante a movimentação e manter a postura adequada (como quando aplicada sobre o tronco), mas ao mesmo tempo permitir a respiração profunda e não causar sensação de formigamento. E, como cada corpo é único, preste atenção se a malha está adequada ao seu formato e confortável em toda a sua extensão, pois não vale a pena estrangular as bordas apenas para manter a compressão no centro. Ajustes podem ser necessários, especialmente depois das primeiras semanas de pós-operatório (à medida que o inchaço diminui), por isso é importante manter um diálogo constante com seu cirurgião sobre a adequação de sua malha.
Por todos esses motivos, quando uma paciente pergunta se usar malha compressiva é muito desconfortável, minha resposta habitual é: usar malha compressiva deve ser confortável, senão estamos arriscados a causar mais problemas do que benefícios.
Para quem quiser aprender mais:
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